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A verdadeira natureza do ‘farmer’

A verdadeira natureza do farmerColaborador convidado*

Na área de vendas, com o tempo, estabeleceu-se a distinção entre dois tipos ‘clássicos’ de profissionais de vendas: o hunter (caçador) e o farmer (fazendeiro). O primeiro se encaixa com naturalidade na nossa comparação prévia com predadores. O segundo, no entanto, é controverso.

A missão do farmer é cultivar o cliente, na visão de alguns. Seduzir constantemente, conquistar diariamente, são alguns outros termos bastante simpáticos. Explorar um cliente comercialmente de forma consistente, recorrente e no longo prazo, ampliando receita e margem, descrevem melhor a atividade deste profissional de vendas.

Nas organizações em que conheci o farmer, ele ocupava cargos operacionais e não era nem da área de vendas! Só isso ilustra o caráter dicotômico da função.

Algumas observações que colhi com o tempo, sobre a atuação deste profissional:

  • O farmer não pode ser um vendedor, em hipótese alguma.
  • O farmer é um gerente de projetos com atribuições comerciais.
  • O farmer é um vendedor com menos apetite que os outros.
  • Não se pode atribuir metas de vendas a um farmer.
  • O melhor farmer da organização é sua alta direção.

Na grande maioria dos casos, o profissional que efetivamente exercia a função recebia várias denominações, tais como ‘gestor de contratos’, ‘gerente de atendimento’, ‘gerente de produção’ ou mesmo ‘gerente de …’ (substitua os três pontinhos pelo nome de uma área de negócio, como fábrica de software ou outsourcing de impressão).

Os resultados costumam falar por si. As empresas saudáveis (tanto financeira quanto emocionalmente) tendem a reconhecer que o tão falado farmer é um profissional de vendas (essa também é a minha opinião) e deve ser tratado como tal, com uma eficaz gestão de vendas.

Então isso significa que o farmer é um vendedor como outro qualquer? De forma alguma. E para entendê-lo um pouco melhor vamos recorrer à antropologia moderna e a um conceito bastante interessante, o casamento por rapto ou a captura da noiva.

Em várias sociedades antigas, o homem era proibido de se casar com mulheres de sua própria tribo, clã ou aldeia. Ele tinha de atacar e raptar sua noiva de outros grupos. De fato, J. F. McLennan (1827-1881), em seu livro Primitive Marriage, de 1865, buscava demonstrar que essa foi a primeira forma de união estável. Sendo isso verdade ou não, essa prática continou enquanto a humanidade progredia e se instituiu mesmo em sociedades em que o casamento monogâmico já tinha se estabelecido. Em outras palavras, faz parte indissociável da psique humana.

O que isso tem a ver com o nosso profissional de vendas que precisa atender a um cliente, anos a fio, sempre buscando melhores resultados sem desanimar e com competência? Bem, raptar a noiva é um ato de predação, de ataque, mas não é aí que está o segredo. Como todo casamento, o segredo do sucesso não está na cerimônia e sim no convívio diário.

Imaginem o que os nossos ancestrais tinham que passar para que fossem aceitos e convivessem pelo restante de suas vidas com mulheres que haviam raptado, muitas vezes matando pais e irmãos no processo. É um processo de grandes implicações emocionais, onde o homem precisava, ao mesmo tempo, entender profundamente e respeitar a cultura da mulher raptada e aos poucos introduzir sua própria cultura.

E esse é o segredo do farmer: conhecer o cliente em profundidade sem jamais perder a própria identidade. Dia após dia, aprofundar seu conhecimento na cultura do cliente sem nunca deixar de catequizá-lo em relação à suas propostas de venda. “Conquistar sua noiva diariamente, após tê-la raptado”.

A analogia em questão é propositadamente exagerada para ressaltar a importância do trabalho deste profissional e para que possamos apreciar o quanto esta atuação é difícil.

* Atua há 24 anos na área de TI, tendo começado com a fundação de uma software house para a área biomédica. Sendo responsável, até recentemente, pela área de Projetos Especiais da CTIS Tecnologia S.A.,  foi responsável na companhia pelo desenvolvimento de duas áreas de negócio (outsourcing de impressão e de pontos informatizados) e pelo fechamento de contratos de porte e valor significativos.