A minha avó, que viveu até os 85 anos, usou óculos por mais de cinco décadas. Nunca foi a um oftalmologista, exceto já bem velhinha, quando eu mesmo a levei. Uma única consulta, um único par de óculos feitos sob receita, em toda a vida. O que ela fazia? É simples: segunda filha mais velha entre 14 irmãos e irmãs, ela tinha uma vida social em família bem intensa. Sempre que visitava uma das irmãs, perguntava a ela se havia trocado os óculos, se eram novos. Se fossem, pedia os velhos emprestados. E usava até a próxima visita.
Fez isso durante mais de 50 anos. Segunda ela, mesmo que no começo os óculos estivessem desconfortáveis, os “olhos se acostumavam a enxergar com eles” sem que fosse preciso um “oculista dar palpite azedo.” É, minha avó era muito sábia, em muitas coisas, mas definitivamente detestava mudanças e a opinião de terceiros. Hoje em dia, ela estaria fora de moda. Fruto de uma era passada. Não podemos cogitar, atualmente, abrir mão destas duas coisas que ela apaixonadamente odiava: as mudanças e os especialistas. Os segundos, inclusive, existem muito em função das primeiras.
Encaremos os fatos: nós, da área comercial, enfrentamos mares turbulentos. Verdade que se algum dia foi diferente, eu não participei da calmaria. Mas as nossas águas estão cada vez mais revoltas. Não podemos mais contar, sob verdadeiro risco de vida, com algumas coisas que nos davam certo conforto. Por exemplo:
– Liderança de Mercado: se você é um dos líderes e acha que isso é uma posição confortável, reconsidere. Os que estão atrás de você tem uma visão objetiva do caminho para alcançá-lo, você é um alvo claro. Como você está na frente, não tem este benefício. Para manter a liderança, não basta acompanhar as mudanças, você tem que ser o agente de mudança contínua. Do contrário, enquanto você olha para trás para ver a concorrência, pode não enxergar a próxima curva e passar direto.
– Mercado-alvo: os seus melhores clientes, com alto grau de fidelização, são responsáveis pela maior parte de sua receita? Parabéns! E cuidado! Mais uma vez, eles são alvos desejados, estão na mira da concorrência. Não se iluda: não tem fidelização que resista a um assédio intenso. A saída é diversificar ofertas e mercados alvo, criar redes de segurança que tragam, além de crescimento, segurança e previsibilidade de vendas e receita.
– Força de Vendas: seu melhor vendedor é a alta diretoria? Fantástico! Sem envolvimento da alta diretoria, pouca coisa vai para frente. Mas os diretores dão conta sozinhos de ampliar seu pipeline, estruturar sua carteira e, principalmente, explorar a fundo seu mercado e combater a concorrência? A força de vendas não pode ser só um acessório, um penduricalho, paus-mandados. São os seus cães de caça, não servem para nada se ficarem enjaulados. Portanto, liberte-os, mas nunca sem controle. Estabeleça processos e sistemas que possibilitem a gestão da força de vendas sem burocracia e que permitam a alta diretoria estar 100% alinhada com os esforços de vendas.
– Novos Negócios: se você ainda não tem alguém responsável por isto, arrume rápido. É importante ter alguém com a obrigação de olhar para o horizonte. Alguém cujo resultado dependade novas oportunidades criadas em mercados e ofertas que hoje não estão no seu radar principal. Mas só designar alguém não adianta: crie processos novos e ousados para esta área. Novos negócios não são para os filósofos, os tímidos e nem para os desconfiados. São para os que se aventuram, os arrojados e empáticos. Sem arrojo, vontade de estabelecer canais de parceria e forte alinhamento estratégico não se atinge o nível de sinergia com clientes e parceiros que, no mercado atual, é vital para a criação de novas oportunidades.
O ponto focal é, inevitavelmente, a mudança. Sejamos francos, mudar não é bom. Mas é necessário para a sobrevivência das organizações modernas. Mude enquanto estiver ganhando, estabeleça mudanças quando tudo estiver bem e você achar que não precisa mudar. Se esperar aparecerem os primeiros sinais de que alguma coisa não vai bem, os seus números vão sofrer.
Algumas empresas criam áreas com nomes bacanas como “Change Management”, “Gestão de Mudanças” e por aí vai. Estas, no entanto, não são estruturas criadas que para promover mudanças, mas sim para garantir que elas sejam bem sucedidas. Às vezes uma mudança falha porque não foi bem entendida pelos atores e neste caso a Gestão de Mudanças é muito útil. Mas se ela começar a atuar antes de a mudança ser desenhada e definida como tal, torna-se um instrumento inibidor da criatividade e da inovação. No final das contas, são áreas burocráticas e toda burocracia abomina a mudança como, sabemos, a natureza abomina o vácuo. Precisando de um apoio externo para incentivar a mudança, prefira contratar consultores, especialistas, que veêm, executam sua função e depois concluem e vão embora.
A verdade é que esse negócio de mudar não é fácil. Como a minha avó, muita gente acha que a mudança é uma coisa ruim, desconfortável, que deve ser evitada. Acham que, como costumam dizer nos Estados Unidos: “if ain´t broken, don´t fix it!”*. Essas mesmas pessoas, como minha avó, novamente, tem a certeza absoluta que estão vendo tudo com clareza. Até o dia que, como a velhinha, consultam um especialista e dizem: “o quê, querdizer que isso é que é enxergar?!? E eu passei esse tempo todo fazendo o quê?!?”. Aí, bom, aí pode ser tarde demais, ou quase.
*numa tradução livre: “se não está quebrado, não tente consertar”.